14 de junho de 2007

Música na Praça

Ontem eu fui à praça.

Anteontem eu fui à praça.

E fui à praça em quase todos os dias da semana que passou.

Porque as praças de Belo Horizonte viveram suas vocações.

Porque as praças de Belo Horizonte se tornaram os templos em que a gente de verdade conversa com Deus.

É que rolou uma das mais lindas promoções que já vi por aqui, a Festa da Música.

Foram 10 dias de música instrumental nas praças, museus e espaços públicos, música da melhor qualidade, e gratuita.

Apesar da beleza das apresentações em espaços fechados (Turíbio Santos, Violões do Horizonte, maravilhosos), vou falar das praças.

Na sexta-feira, na praça Floriano Peixoto, fui sozinho, e me encontrei com o povo, com amigos, com a lua cheia e com a poesia. O saxofone do Klebinho Alves, a bateria do André Limão e o piano carioca de Gilson Peranzzetta, que não conhecia. A alma fica grata, porque é um encontro com o divino humano a poesia de tão bela música, ampliada pelo luar beijando a praça.

No sábado, aí com meu amor a meu lado, pois orar na praça a dois vale muito mais tempo de paraíso, assistimos ao maestre (porque é mestre e maestro) Juarez Moreira,), e a ginga malandra da oração profana do Paulo Moura, meu Deus, como oramos. E aí bem paramentados, porque levei vinho, taça e queijo, ainda ficamos vigiando a lua escalar a serra do Curral. Apareceu lá pelas oito e meia, faltando pedaço que a serra é íngreme. Mas não menos bela, e ainda com uma halo de frio, de romântico e de mais poesia.

E no domingo não deu pra ver o som sublime de Marcus Viana, mas o som movimentado das cordas de Weber Lopes, o Limão outra vez na bateria, e depois o som iluminado de Yamandu Costa, com a sanfona de Alessandro Kramer. Som iluminado, porque Yamandu fechou a festa com um dos sons mais inspirados que já ouvi. Dava pra perceber a imensa egrégora que ali se juntou, a da turma do aqui, nós todos nas cadeiras, em pé, no anfiteatro formado pelo gramado, e a turma do outro lado, egrégora invisível, ali cantando e bailando, porque foi poderosa a oração de encerramento. Os pingos da chuva convenceram poucos a irem embora, e no mais serviu para umedecer os corações que iam, alto, vivendo o sursum corda que naquela missa se propunha. Yamandu ainda falou, se desculpando por estar seco lá no palco, que o pai dizia que não adiantava reclamar da chuva, ela sabia mais das coisas que nós.

Pois é, já disse aqui que a principal oração, em que a gente se encontra com Deus, é a arte. A arte de viver, a arte de amar, de trabalhar com arte. Mas as belas artes, que segundo o dicionário têm por objeto representar o belo: o desenho, a pintura, a escultura, a arquitetura, a música, a coreografia, a arte dramática, a oratória e a poesia, são o ritual deste encontro. E a música instrumental então, para mim transcende, é alimento para meu corpo emocional, é viajem para meu corpo mental e descanso para este usado corpo físico. Que aliás é para ser usado mesmo.

Pois é, enquanto contemplava aquela multidão de gente com cara de feliz, todo mundo muito bonito, porque ali alimentavam a alma, feliz também eu com minha companheira, desejei muito.

Desejei muito que tal projeto continue, que se multiplique, que possa ir para todas as praças, para todos os cantos da cidade. Que estes cantos se encantem com os cantos possíveis, como eu me encantei, como conversei com Deus.

Que invistam nos músicos que estão buscando seus espaços, com tanto espaço para ser ocupado.

Que descubram que é muito mais social e includente (se não existe isto, acabei de incluir no dicionário) investir em oferecer um prazer que enriquece o espírito, e que o estimula a vôos que tais, do que em programas assistenciais que mais favorecem aos corruptos.

Que descubram que estimular o belo é se aproximar da harmonia, no mínimo ao ouvir a música, e quem sabe de uma harmonia coletiva. Como a que vi por estas praças, tanto é que o Peranzzetta agradeceu a platéia de praça porque parecia de câmara, tamanho o respeito e os aplausos que recebeu.

Parabéns aos promotores, e que continuem e multipliquem tais ações, como um dia multiplicaram o pão e o vinho.

Porque é na sagrada praça, nesta ágora que os gregos nos aplicaram, que podemos orar, confraternizar e nos libertarmos dos medos tantos que querem nos manter trancafiados dentro de espaços ou de casa. Isto é coisa do capeta.

A praça é coisa de Deus.

João Celso, 04/06/2007, em Macacos.

Nenhum comentário: